Pode ser a Marta, jovem analista de risco de um banco nacional, que afinal não gostou do teclado do seu novo “smartphone”.
Pode ser também a Dona Maria Amélia, reformada mas muito activa, que se esqueceu de tirar as medidas do seu encastrado de cozinha, e só descobriu que a máquina de lavar loiça não cabe, quando esta chegou. Ou pode ser ainda o João António, proprietário de uma “startup” de catering corporativo, que não ficou satisfeito com o aspecto dos rolinhos de sushi ultra – congelados, e os quer devolver ao produtor.
A verdade é que todos eles têm o direito legal de devolver os seus produtos sem qualquer explicação ou justificação, como estabelece de forma clara a Directiva Europeia sobre Contratos à Distância e fora do Estabelecimento Comercial, de 25 de Outubro de 2011, transposta para a lei portuguesa pelo DL 24/2014, de 14 de Fevereiro, que entrou em vigor no passado dia 13 de Junho.
O ponto fundamental da Lei resulta da harmonização ao nível europeu do direito à retractação a exercer no prazo de 14 dias, o que no caso de venda de bens (à distância) implica a sua devolução e o reembolso do pagamento efectuado, caso o cliente assim o deseje.
A imposição legal reforça, ainda mais, a importância da operação de logística inversa para o “core” da actividade das empresas que comercializam bens, e o seu contributo decisivo para o valor e para a competitividade das empresas, num mundo glocal onde as margens e a rentabilidade são cada vez mais exíguas.
No essencial, a logística inversa actua nas áreas de pós-venda e pós-consumo e planeia, opera e controla os fluxos, e as informações correspondentes, relativos ao retorno dos produtos ao ciclo produtivo, por meio dos canais de distribuição inversos.
A logística inversa é um processo transversal aos vários elementos da cadeia de abastecimento, e, ao nível interno da empresa, exige o envolvimento, entre outras, das áreas de serviço ao cliente, marketing, finanças, jurídica e sistemas de informação. Externamente, obriga a um relacionamento estreito com fornecedores, clientes e prestadores de serviços externos.
Neste ponto, é fundamental sublinhar que, estando em retorno, os produtos continuam a ganhar valor de diversas naturezas, do económico, ao ecológico, legal, logístico, passando pelos de notoriedade e imagem corporativa.
Ou seja, os efeitos desastrosos da ausência de uma logística inversa eficiente não podem ser ignorados.
De entre os principais, são de destacar altas taxas de devolução, elevado custo em transporte e armazenamento das devoluções, elevado tempo de processamento e acumulação de produtos sem destino definido, discórdia com clientes e/ou com fornecedores, não-conformidades legais/ambientais e respetivas penalizações.
Por outro lado, as empresas não devem ignorar que existem vários obstáculos internos sérios para uma boa gestão de logística inversa, como são, entre outros, a ausência de “sponsorship”, já que a operação é vista como um custo e de importância marginal comparativamente à logística direta, ou uma infraestrutura inadequada, dado que o processamento do fluxo inverso é geralmente feito em centros de distribuição desenhados para a logística direta.
Assim, os decisores devem ter em conta que a operação é complexa e contempla, imperativamente, desafios substanciais. O primeiro é que o modelo de Gestão tem de ser revisto, devido à necessidade de gestão de fluxos inversos. De facto, é preciso ter em conta o ciclo de vida completo do produto e não apenas até à sua entrega ao cliente, e uma abordagem à reutilização e recuperação dos produtos para reintrodução nos circuitos produtivos e/ou comerciais, processos de reciclagem e eliminação.
Vale a pena sublinhar que a maioria das empresas não consegue identificar onde a logística inversa afeta os seus resultados e margens simplesmente porque os seus sistemas de custeio estão virados para o controlo dos custos num fluxo direto e não dão visibilidade aos custos da logística inversa.
Carlos Carvalho
Consultor da Logistema
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Este artigo foi publicado na edição de dia 26 de Setembro de 2014 do Jornal Hipersuper ( http://www.hipersuper.pt/2014/09/26/o-desafio-decisivo-da-logistica-inversa/).