Governo português e espanhol têm feito lobby em Bruxelas para se tornarem o gateway do Gás Natural (GN) para a Europa.
Cavaco Silva referiu que se todas as interligações fossem construídas, a Península Ibérica poderia fornecer 40% do gás que atualmente a Rússia fornece aos estados da União Europeia (UE). O carácter geopolítico e geoestratégico do assunto suscita um conjunto de questões que o Governo provavelmente analisou mas cujas respostas não saíram ainda a público. À partida, a posição geográfica de Portugal, e o terminal em Sines, permitem reexportar para toda a Europa. Mas os investimentos em novos terminais na Europa e as baixas taxas de utilização dos existentes podem não deixar espaço para grande otimismo.

Existem em Portugal, ou estão em curso, projetos para aumentar a capacidade de armazenamento para reexportação por navio ou por gasoduto. Sines tem capacidade para receber e armazenar 390.000 m3 de GN líquido. No Carriço (Pombal), existem duas cavidades para armazenamento de GN e está prevista a construção e exploração de mais duas cavidades. Por sua vez, a Rede Nacional de Transporte de Gás Natural (RNTGN) interliga com o gasoduto do Magrebe e abastece Portugal com gás oriundo sobretudo da Argélia. A RNTGN está interligada com Espanha mas a rede espanhola não tem ligações suficientes com França, país que tem mostrado grande desinteresse no assunto e, portanto, em divergência com Portugal e Espanha.

Quanto aos Estados Unidos, tornaram-se, em 2009, o maior produtor mundial de GN, ultrapassando a Rússia, e, em 2016, poderão tornar-se um exportador líquido de gás. No entanto, na Cimeira da Energia UE-EUA, de abril deste ano, os norte-americanos esclareceram a UE de que não podia esperar receber GN dos EUA antes de 2015, altura em fica disponível o primeiro terminal com capacidade para 22,7 bcm ou 27 mil milhões de m3. Em 2013 a Rússia exportou 162 bcm para a Europa, dos quais 50% atravessaram a Ucrânia. O consumo total na Europa foi, nesse ano, de 541 bcm (ano de recessão económica).

Já as declarações do presidente da Cheniere (empresa norte-americana com a primeira licença de exportação de gás) dizem muito sobre o que as empresas dos EUA pensam sobre a situação: "É muito lisonjeador que falem de nós dessa forma [os EUA como fornecedor alternativo à Rússia], mas é um completo absurdo. De tal modo absurdo que é difícil entender que alguém acredite verdadeiramente numa tal perspetiva". Do ponto de vista do preço é óbvio que, mesmo apesar da crise, as empresas dos EUA não irão exportar GN abaixo do valor de mercado (ao preço do seu mercado interno) para os amigos europeus só porque eles precisam de apoio para combater a dependência da Rússia.

Acrescem os custos em terminal da importação e reexportação de gás dos EUA. A opção ibérica até poderá ser competitiva a suprir falhas pontuais de abastecimento. Mas a importação direta por terminais no Norte da Europa, Báltico e Mediterrâneo deverá ter custos inferiores à entrada e saída por Sines. Perante o exposto, para Portugal, a crise na Ucrânia e o receio dos comportamentos instáveis da Rússia, que encara agora a China como um melhor mercado de exportação, podem gerar oportunidades. Mas, para isso, o Governo e a Rede Elétrica Nacional (REN) têm de estar atentos às alterações súbitas na geoestratégia e às condições no mercado de gás natural e têm de preparar-se politicamente e saberem posicionar-se para aproveitarem a oportunidade assim que ela surgir.

Fernando Grilo
Economista e Administrador da Logistema - Supply Chain & Logistics Consulting

Este artigo foi publicado no Caderno de Economia do Jornal Expresso, na edição do dia 8 de Novembro de 2014.